Inquérito policial, pic, abuso de autoridade e exercício da advocacia

No tema que por ora se analisa, é um dos momentos mais difíceis do exercício da profissão, atuar na fase de inquérito, na qual está em curso à investigação, primeiro, porque a atuação do advogado acontecerá no recinto daqueles que são incumbidos de desvendar o binômio autoria e materialidade do ilícito penal.

Segundo, na fase de inquérito policial[1] tocado pelo delegado de polícia e pic (procedimento de investigação criminal)[2] que tem como titular o membro do ministério público (É importante que se diga ainda normatizado por resolução criada pelo próprio Conselho do Ministério Público infringindo o princípio da legalidade).

Ademais, ambos procedimentos administrativos ainda vigoram dentre outras características, a natureza inquisitorial, ou seja, não há contraditório na fase de inquérito policial. E nessa fase, o advogado pode fazer é apresentar razões e quesitos para autoridade policial ou membro do MP[3] ou requer diligências[4] no inquérito ou pic que poderá ser deferido ou não.

Isso posto, diante do tema abordado, é imprescindível lembrar, do rol de direitos que a lei assegura ao advogado e este não exercendo acabará inevitavelmente prejudicando o seu constituinte.

Como se sabe, o legislador ao promulgar o Estatuto da Advocacia, assim como em todas as profissões trouxe além de deveres, também um rol de direito aos advogados, e quando estes forem atuar na fase de inquérito policial é fundamental que sejam resguardados.

Dentre o rol de direitos que está escrito na norma, o art. 7º, inciso III de comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis, ou militares, ainda que considerados incomunicáveis.

Além disso, o que determina o inciso VI de ingressar livremente e no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares.

E mais, como fundamenta o inciso XIV de examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital.

Também, como ordena o inciso XXI de assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios deles decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: a) apresentar razões e quesitos.

A tão festeja súmula vinculante catorze do Supremo Tribunal Federal, que era uma necessidade prática para o exercício da advocacia, que em várias oportunidades tiveram seu direito de acesso aos autos de inquérito arbitrariamente negados, e nesse ponto, muito se deve ao aguerrido advogado Alberto Toron[5].

E, após a edição da referida súmula vinculante, trouxe para o arcabouço jurídico mais uma garantia da qual o advogado pode e deve se valer ao atuar na fase de investigação, que é de ter direito aos elementos de prova já documentados no inquérito policial, para tomar melhor orientar seu constituinte ou tomar as medidas jurídicas cabíveis para o momento.

Agora, nesse contexto, caso o advogado seja ultrajado no exercício da profissão, por um despreparado intelectualmente por não conhecer à lei 8.906/94 e súmula vincula catorze ou por maldade pura daquele que exerce um cargo público.

Hoje a legislação permite o advogado, a comissão de prerrogativas seja da seccional ou subseção da qual faça parte impetrar habeas corpus, mandado de segurança, ou propor uma reclamação constitucional para o Supremo Tribunal Federal, obviamente vai depender do caso e quem é a autoridade coatora.

Como se sabe, a recentíssima lei de abuso de autoridade nº 13.869/19 trouxe para o corpo jurídico algumas contravenções penais. Onde praticada à conduta descrita no artigo se choca com os direitos do advogado.

Cito como exemplo, o artigo 20 “Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado”, o artigo 29 “Prestar informação falsa sobre procedimento judicial, policial, fiscal ou administrativo com o fim de prejudicar interesse de investigado”, o artigo 32 “Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível”, o artigo 33 “Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal”.

Consequentemente, conforme consta na lei 13.869/19 a titularidade para realizar a denúncia cabe aos membros do ministério público, o que para muitos é letra-morta. Ex será que um membro do MP vai querer denunciar um colega ou delegado de polícia?

Caso haja assim, a própria lei faculta à vítima (advogado que tenha capacidade postulatória) ou seu representante legal, caso não seja ofertada à denúncia no prazo legal, pode ser apresentado uma denúncia pública subsidiária.

Em síntese, os arbítrios praticados pelas autoridades, seja por aversão ou falta de conhecimento técnico contra à figura do advogado, a fatura maior quem paga é o cidadão que naquele momento reclama pelo direito de defesa, e além dos instrumentos jurídicos permitidos, a lei de abuso de autoridade veio em boa hora.

Por Cássio Duarte

Advogado, pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal pela Escola Superior de Direito; pós-graduando em Direito Penal Econômico pelo IBCCRIM em parceria com Universidade Coimbra; Membro do IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais; Membro do Instituto Pro-Bono.