O ato de esconder dinheiro nas vestes íntimas configura lavagem de dinheiro?

Em recente caso amplamente divulgado na mídia foi noticiado que nas vestes íntimas do Senador Chico Rodrigues do DEM-RO foram encontrados em torno de 30 mil reais em espécie, após uma operação da polícia federal denominada, operação Desvid-19.

Com isso foi amplamente divulgado na mídia que: “O Senador estaria cometendo o crime de lavagem de dinheiro”. Inicialmente algumas questões devem ser pontuadas.

Primeiro, o Estado tem o monopólio de investigar, denunciar e julgar, porém, ainda não foi contemplado pelo legislador o poder e dever de escrachar e humilhar investigado nenhum. Ademais, o parlamentar — diga-se democraticamente eleito pela população — teve fotos constrangedoras vazadas da operação.

Como se não bastasse, o Relator do caso, o Ministro Luís Roberto Barroso, determinou em sua decisão técnica e cuidadosa[1] que os vídeos das revistas corporais realizadas no Senador fossem mantidos em segredo, porém, inexplicavelmente, hoje ao realizar uma simples pesquisa é facilmente encontrado imagens que vilipendiam a honra do cidadão que ainda é investigado.

De outro lado, a grande pergunta que fica é. O ato de guardar dinheiro em vestes íntimas configura o ilícito de lavagem de dinheiro?

Inicialmente, a Lei de lavagem de dinheiro (Lei n° 9.613/98), define o crime de lavagem de dinheiro em seu artigo 1º: “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”. E é importante ser dito que o ato de ocultar, ou dissimular deve ter a intenção de reinserção na economia formal do proveito ou produto do crime.

Além disso, como no caso do Senador Chico Rodrigues, não há até o momento nenhum ato de intenção por parte do Senador reinserir na economia formal o dinheiro que foi encontrado pela polícia federal nas suas vestes.

Como bem pontua o professor da Universidade do Estado de São Paulo Pierpaolo Cruz Bottini: “O mero ato de esconder bens, ainda que sua origem seja ilegal, não caracteriza lavagem de dinheiro. Ainda que a lei utilize o verbo ocultar, o crime supõe uma ocultação qualificada pela intenção de reinserir os bens na economia formal”[2].

Exemplo que não configura o crime de lavagem de dinheiro: “Se alguém rouba um banco e esconde o dinheiro para depois usá-lo para aquisição de bens de consumo pessoal, em seu próprio nome, como carros ou imóveis”[3].

Outro caso que não configura o ilícito penal de lavagem de dinheiro é: “Se o agente utiliza o capital procedente da infração para compra imóvel, bens, ou o deposita, ou transfere para conta corrente no Brasil, ou exterior, em seu próprio nome[4], ou em empresas, fundações ou trusts nas quais consta abertamente como instituidor, não existe o crime em discussão.[5] O mero usufruir do produto infracional não é típico.[6]

Nesse mesmo embalo, como bem votou o próprio Ministro Luís Roberto Barroso no caso da ap. 470 (Mensalão), ipsis verbis:

O recebimento (de dinheiro) por modo clandestino e capaz de ocultar o destinatário da propina, além de esperado, integra a própria materialidade da corrupção passiva, não constituindo, portanto, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiroPara caracterizar esse crime autônomo (lavagem de dinheiro) seria necessário identificar atos posteriores, destinados a recolocar na economia formal a vantagem indevidamente recebida” [7]

Ainda é revela acentuar que, o caso do Senador Chico Rodrigues, não é caso de Favorecimento Real (Art. 349 do Código Penal) que ocorre quando: “Prestar a criminoso, fora dos casos de co-autoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime”.

Outrossim, pelo que foi noticiado e divulgado não há indício algum de que o Senador tenha se prestado a auxiliar um terceiro, e pela sua conduta de guardar dinheiro nas suas vestes íntimas não configura o crime de favorecimento real, até porque não existe favorecimento real para si mesmo.

Por último, o ato de esconder dinheiro nas vestes como não configura o crime de lavagem de dinheiro, mesmo que o dinheiro tenha sido oriundo de atos de corrupção ou outro ilícito antecedente e esse ato de esconder dinheiro na cueca não tem nenhuma relevância para o direito penal.

Cássio Carneiro Duarte

Pós-graduando em Direito e Processo Penal pela Escola Superior de Direito;

Pós-graduando em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – Ibccrim, em parceria com Universidade de Coimbra;

Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais; Membro do grupo pesquisa de sistemas penais econômicos do IDP – Instituto Brasileiro de Direito Público e voluntário no Instituto Pro Bono. Advogado.

[1] https://bit.ly/3jgIvba

[2] https://bit.ly/3dMq3X8

[3] Bottini, Pierpaolo Cruz. Badaró. Gustavo. Lavagem de Dinheiro. 3ª Edição. Ed. RT., p. 121;

[4] Segundo Blaco Cordero, mesmo o deposito em conta de terceiro com o mesmo sobrenome do agente, pode afastar a materialidade da lavagem de dinheiro, se desacompanhada de qualquer outro ato que revele a intenção de ocultar: “La cuestión de um apelido comum es importante, porque el deposito de fondos em la cuenta de um conyuge o hijo, sin más, es em general insuficiente para apoyar uma condena, mientras que el depósito de fondos em la cuenta de uma novia se há considerado suficiente”. El delito de Blaqueo, 4. Ed., p. 667.

[5] Nesse sentido, Blaco Cordero, para quem “Los supuestos de transparência entre cuentas del mismo individuo o entre sociedades instrumentales que le pertenecen de manera exclusiva no seran subsumibles em esta modadlidad típica, porque no suponen um transpasso de derechos sobre el dinero, sino que sigue estando em el patrimônio del autor”, El delito de blanqueo, 4. Ed., p. 560.

[6] Ignacio Berdugo Gómez de La Torre e Fabián Caparrós, La “emancipación” del delito de blanqueo de capitales, p. 69.

[7] Às fls. 31 do Acórdão dos Sextos Embargos Infringentes da AP470, sem grifos.