O ICMS declarado e não pago, o dolo, e o entendimento das cortes superiores

O ICMS declarado e não pago, o dolo, e o entendimento das cortes superiores.

Os crimes contra a ordem tributária, da Lei n° 8.137/90, ganharam nos contornos nos últimos tempos, principalmente, perante as cortes superiores, que caminham, ao que parece, para uma interpretação firme em relação ao tipo penal do artigo 2, inciso II da lei em comento.

No dia 4 de outubro, do ano corrente, foi publicado acórdão no AgRg no RE n° 1.867.109/SC[1], rel. min. Laurita Vaz, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, de forma unanime, em um brilhante acórdão, absolveu um empresário que estava sendo acusado de não ter recolhido, no prazo legal, o ICMS.

Convém fazer algumas considerações a cerca do caso, primeiro é que, analisando o acórdão o STJ entende que não há necessidade do dolo específico de ter a coisa para si (animus rem sibi habendi) para configuração do ilícito penal tributário, portanto, segundo o tribunal da cidadania o dolo genérico do responsável da empresa de não pagar o tributo é suficiente para configurar o crime[2].

Ademais, diante do caso concreto, como o réu/agravante deixou de recolher apenas uma vez o ICMS devido no mês de novembro de 2016. Diante disso, os ministros componentes da sexta turma decidiram conforme o entendimento que vem sendo adotado pelo Supremo Tribunal Federal desde o julgamento do RHC n° 163.334/SC (que ainda carece de ser publicado o acórdão) que para configurar o ilícito do art. 2, inciso II da Lei n° 8.137/90: “O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990″.

Portanto, conforme o caso por ora analisado, diante da falta da contumácia, ou seja, da reiteração da conduta de deixar do recolher o tributo do ICMS absolveu de forma unanime o empresário mesmo após este ter sido condenado pelo tribunal “a quo”.

Por fim, diante de uma questão tão sensível e que ainda não foi totalmente pavimentada em um sentido à jurisprudência, essa decisão exarada se monstra acertada, já que no caso não houve reiteração da conduta criminosa de deixar de pagar o tributo e não pode o direito penal ser utilizado para tudo, devendo o Estado escolher outras vias para atingir o objetivo de angariar recursos para mantença dos serviços públicos, ou se não o direito penal estará sendo utilizado como uma forma de constranger o cidadão contribuinte.

Cássio Carneiro Duarte

Pós-graduando em Direito e Processo Penal pela Escola Superior de Direito; Pós-graduando em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – Ibccrim em parceria com Universidade de Coimbra; Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e voluntário no Instituto Pro Bono. Advogado. E-mail: contato@carneiroduarte.com.br


[1] https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1974119&num_registro=202000638331&data=20200904&formato=PDF

[2] A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC n.º 399.109/SC, firmou o entendimento de que o elemento subjetivo especial, no crime de apropriação indébita tributária (art. 2.º, inciso II, da Lei n.º 8.137/90), é prescindível, sendo suficiente para a configuração do crime a consciência (ainda que potencial) de não recolher o valor do tributo devido;

O tipo penal previsto no art. 2°, II, da Lei n. 8.137/1990 não exige elemento subjetivo específico, mas apenas o ato voluntário de deixar de repassar ao fisco o valor do tributo descontado ou cobrado de terceiro na qualidade de sujeito passivo da obrigação, ainda que declarado, sendo irrelevante o especial fim de se apropriar de tal numerário ou de obter proveito particular com o crime (AgRg no AREsp 772.503/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA).