O Supremo Tribunal Federal acertou ao criminalizar a apropriação indébita do inadimplente de ICMS?

Consigne-se inicialmente, que os crimes contra a ordem tributária em quase todas suas modalidades estão descritos na Lei 8.137/90, exceto os crimes de descaminho art. 334, sonegação de contribuição previdenciária, apropriação indébita previdenciária, excesso de exação, facilitação de contrabando ou descaminho, falsificação de papéis públicos todos contidos no Código Penal.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso em Habeas Corpus n° 163334/SC[1] considerou que, a conduta do devedor de ICMS (Imposto sobre Operações Relativas à de Circulação de Mercadoria e Prestação de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação).

Que agir de forma reiterada e contumaz que deixar de recolher no prazo legal o tributo aos cofres públicos configura o ilícito de apropriação indébita tributária que está descrito no art. 2, inciso II da lei 8.137/90. E aqueles que são meros inadimplentes terão que provar caso sejam processados criminalmente que não agiram com dolo de apropriação e de forma contumaz.

O Supremo Tribunal Federal nos termos do voto do relator do caso o Ministro Luís Roberto Barroso, denegou à ordem de habeas corpus, em síntese nos seguintes termos:

“São os ricos que têm problemas com imposto, o ICMS é o tributo mais sonegado segundo o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda (Consefaz). E o dolo da apropriação ilícita deve ser apurado na instrução criminal, pelo juiz natural da causa, a partir de circunstâncias objetivas e fatos, tais como a inadimplência reiterada, a venda de produtos abaixo do preço de custo, a criação de obstáculos à fiscalização, a utilização de “laranjas”, a falta de tentativa de regularização de situação fiscal, o encerramento irregular de atividades com aberturas de outras empresas etc”.

Diante disso, ao que me parece não se trata de uma decisão mais acertada do STF primeiro porque não é todo rico empresário que age com dolo ao deixar no prazo estipulado para pagamento do ICMS lançado pelo fisco, segundo o existem outros meio de coerção daqueles que atrasam o pagamento devido, como imposição de juros, multa e cobrança na esfera administrativa ou com execução fiscal.

Devendo o Direito Penal utilizado ser soldado de reserva apenas para aqueles que querem enriquecer a custa do Estado por meio da fraude. Como bem disse em seu voto o Min. Fux: “Cabe ao Ministério Público ao fazer a denúncia narrar circunstanciadamente a efetiva cobrança ou desconto do tributo do preço final ao consumidor, ou a redução do preço para finalidade ilícita, excluída do âmbito de incidência do tipo penal a criminalização da mera inadimplência isolada do contribuinte”.

Cabe ainda ser dito que, diferente do que foi dito pelo Ministro relator do caso não será só o rico que será atingido com essa decisão, mas todos os contribuintes, inclusive o médio e pequeno empresário, a final o dono do mercadinho também tem problema com imposto.

Ademais, não vai demorar surgir a tese para que essa decisão usada como fundamento para criminalização do inadimplente de outros tributos como ipi, iss, pis/confins e outros tributos que tem ligação direta com preço dos produtos.

Convém lembrar ainda que, tal decisão traz o direito penal para o campo da política fiscal do Estado e forçará o contribuinte a pagar impostos servindo o direito penal como meio de coerção, por demais é importante ser dito que, a Constituição veda expressamente prisão civil por dívida e a exceção é no caso do devedor de pensão alimentícia.

Alguns problemas devem ser levados em conta primeiro à capacidade contributiva será levado em conta com os custos operacionais, trabalhistas, e demais tributos? O sócio-gerente, administrador, contador etc, poderão ser responsabilizados como em coautoria e participe?

Há um prejuízo com essa decisão que afetar os setores mais importantes da economia formal — indústria, agricultura e serviços —, não me parece que o uso indiscriminado do direito penal seja a via mais adequada para casos como esses, exceto se houve o uso da fraude para driblar o fisco como já vinha se decidindo.

Por fim, o STF agiu corretamente em considerar que a inadimplência de ICMS ser considerado um ilícito penal? Só o tempo dirá. O que veremos na prática é o que é contumaz? Como se afere isso? Uma só inadimplência mesmo por curto período é capaz de mandar o dono do mercadinho para o banco dos réus? Por enquanto, a segurança jurídica e entendimento pacificado ficam para segundo plano, o importante é o Estado arrecadar, mesmo que seja a todo custo.

Por Cássio Carneiro Duarte

Advogado, Pós-graduando em Direito e Processo Penal pela Escola Superior de Direito, Pós-graduando em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Crimina – Ibccrim em parceria com Universidade de Coimbra. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e voluntário no Instituto Pro Bono.


[1] https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5562955