O Robinho foi condenado e agora?

Ontem tivemos uma ampla divulgação da condenação, do atleta Robinho, em 9 anos de prisão confirmada pela Suprema Corte de Cassação que é a última instância do sistema jurídico italiano[1]. Agora, alguns questionamentos que surgem são: 1) ele pode ser extraditado para o cumprimento de pena na Itália? 2) ele pode cumprir pena no Brasil? 3) ele pode novamente ser processado aqui no brasil pelo mesmo fato? 4) Há alguma “brecha” na legislação para o não cumprimento de pena ou diminuir os seus efeitos?

De início, o tema em questão é muito difícil por envolver vários institutos jurídicos de diferentes ramos do direito como o direito constitucional, o direito penal, processual penal e o direito internacional, o que acarretará soluções diferentes para esse caso a depender do entendimento dos julgadores brasileiros do caso.

Em primeiro lugar, o Robinho não poderá ser extraditado para o cumprimento de pena na Itália por ser ele brasileiro nato e a nossa Constituição Federal impede, expressamente, essa possibilidade (CF, art. 5, LI)[2], como se percebe, ele só cumprirá pena no país estrangeiro, caso saia do Brasil para à Itália ou para um outro país que tenha acordo de cooperação internacional com à Itália.

O segundo questionamento sobre esse tema é que mesmo havendo a condenação na Itália, a execução, cumprimento da pena poderá ser feita no Brasil? aqui moram entendimentos diversos e há respeitáveis juristas que entendem que sim[3], desde que observada a questões preliminares pelo Ministério da Justiça por questões de diplomacia e, posterior, envio da sentença para homologação da sentença italiana perante o poder judiciário brasileiro, aplicando a Lei de imigração[4] e cumprindo os seus requisitos[5] de (a) o condenado em território estrangeiro for nacional ou tiver residência habitual ou vínculo pessoal no Brasil; (b) a sentença tiver transitado em julgado; (c) a duração da condenação a cumprir ou que restar para cumprir for de, pelo menos, 1 (um) ano, na data de apresentação do pedido ao Estado da condenação; (d) o fato que originou a condenação constituir infração penal perante a lei de ambas as partes; (e) houver tratado ou promessa de reciprocidade.

Como se vê acima é uma tese sugestiva a ser aplicada a esse caso, a final a ser lido os cinco requisitos aparentemente é possível ser sancionado ao caso em debate, mas não é a melhor solução. Essa tese que deve ser colocada de lado da possibilidade da aplicação da lei do imigrante, como próprio nome diz essa lei deve ser aplicada aos imigrantes, emigrantes, residente fronteiriço, visitante e apátrida, entretanto não foi feita para o brasileiro nato como é o Robinho, e outro aspecto que impossibilita a aplicação da referida lei é que o nacional que ela aponta é o naturalizado e não o brasileiro nato, portanto, é a lei que deve seguir à Constituição Federal e não o contrário.

Ademais, a Constituição Federal[6] e o código de processo penal regula a hipótese de homologação de sentença penal estrangeira, entretanto para gerar efeitos civis e não penais[7]. Sobre isso, vale lembrar o que escreve o professor Mazzuoli que afirma: “em regra, só se homologam sentenças cíveis, não se podendo homologar no Brasil uma sentença penal para fins propriamente penais”[8].  E ainda a esse respeito o Supremo Tribunal Federal entende que: “não é viável a homologação de sentença penal estrangeira para efeito de execução de pena privativa de liberdade ou de uma outra sanção típica do Direito Penal”[9]

Você deve estar se perguntando: — Ok. E qual é a exceção? a exceção é quando exista um tratado assinado pelo Brasil com um outro país que possibilite a sanção de uma pena estrangeira contra brasileiro nato aqui no Brasil. Um exemplo disso ocorreu em um caso[10] que o Superior Tribunal de Justiça autorizou a execução de uma pena de 12 anos, de um brasileiro nato condenado na justiça de Portugal, para que fosse cumprida a pena aqui no Brasil.  

O que há de diferente entre esse caso de Portugal e o caso, do Robinho, da justiça da Itália, é que há hoje vigente o tratado da amizade[11] entre Brasil e Portugal que possibilita o cumprimento de pena por brasileiro nato que cometa um crime em Portugal e depois retorne para o Brasil, ou um português que cometa um crime aqui no Brasil caso este volte ao seu país de origem possa cumprir pena por uma condenação imposta pelo Estado estrangeiro no país que nasceu, e essa hipótese não se aplica ao caso do jogador por não existir essa possibilidade no tratado assinado entre Brasil e Itália[12].

O terceiro ponto que merece ser esclarecido é que, ele pode sim ser novamente processado aqui no Brasil pelo mesmo fato. Há vários países podem processar concomitantemente uma mesma pessoa. A pena cumprida é que não pode ser repetida[13]. Há quem entenda que isso geraria uma dupla punição, o que no meu modo de ver não é verdade. Em uma primeira análise, ele não começou a cumprir pena nem na Itália, muito menos aqui no Brasil. Em segundo e isso é bastante claro o próprio texto do tratado firmado entre Brasil e Itália possibilita esse procedimento em casos que não há a extradição do cidadão nato[14], todavia, o Supremo Tribunal Federal tem entendimento[15] sobre a impossibilidade de um novo processo pelo mesmo fato já julgado no exterior com trânsito em julgado como é o caso.

Um quarto aspecto ainda sobre esse caso foi a solução dada por alguns de que deveria ser feito um novo tratado entre Brasil e Itália para que fosse contemplado essa hipótese desse caso. Tal hipótese deve ser refutada via de regra todo tratado firmado entre os países tem efeito da data estipulada para frente e não, com efeito retroativo, isto é, para fatos ocorridos no passado. Sobre isso é de valiosa lição do Professor Paulo Henrique Portela que explica: “a execução do tratado obedece a um princípio geral do Direito, não obrigam uma parte em relação a um ato ou fato anterior, ou a uma situação que deixou de existir antes da entrada em vigor do compromisso”[16]

Alguns casos que permitiram a extradição (Brasil para Itália ou Itália para o Brasil). O primeiro foi o caso do Cesare Battisti, o italiano foi condenado na Itália por quatro homicídios e o governo brasileiro em 2018 autorizou sua extradição[17] — perceba foi um italiano nato que estava no Brasil —, e um segundo caso foi do Henrique Pizzolato, o brasileiro foi para Itália para fugir da punição da justiça brasileira no caso mensalão — percebe foi um brasileiro que foi para Itália — ou seja, ambos casos completamente diferentes do que é o caso Robinho.

E para terminar, caso o Robinho inicie o cumprimento de pena qual seria a lei que deverá obedecer para auferir a progressão de regime ou livramento condicional. Na minha opinião haverá de ser à Lei de execução penal do Brasil.

Cássio Carneiro Duarte. Advogado. pós-graduado em direito penal e processo penal, pela escola superior de direito – ESD. pós-graduado em direito penal econômico, pelo instituto brasileiro de ciências criminais – IBCCRIM em parceria com universidade de Coimbra – PT. Associado ao instituto brasileiro de ciências criminais – IBCCRIM e a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRACRIM.


[1] https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2022/01/19/robinho-julgamento-ultima-instancia-justica-italiana.htm

[2] Constituição Federal. Art. 5° (…) LI – nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

[3] Advogado e Professor da UFRJ e FGV, Davi Tangerino, dispõe seu entendimento via Twitter: https://twitter.com/DTangerinoPenal/status/1483836804549730305; e o Procurador da República Vladimir Aras, dispõe seu entendimento link: https://twitter.com/VladimirAras/status/1483956290535804930

[4] Lei de imigração – art. 1° Esta Lei dispõe sobre os direitos e os deveres do migrante e do visitante, regula a sua entrada e estada no País e estabelece princípios e diretrizes para as políticas públicas para o emigrante.

Dispõe que: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13445.htm

[5] Lei de imigração – Art. 100. Nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória, a autoridade competente poderá solicitar ou autorizar a transferência de execução da pena, desde que observado o princípio do non bis in idem. Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) , a transferência de execução da pena será possível quando preenchidos os seguintes requisitos: I – o condenado em território estrangeiro for nacional ou tiver residência habitual ou vínculo pessoal no Brasil; II – a sentença tiver transitado em julgado; III – a duração da condenação a cumprir ou que restar para cumprir for de, pelo menos, 1 (um) ano, na data de apresentação do pedido ao Estado da condenação; IV – o fato que originou a condenação constituir infração penal perante a lei de ambas as partes; e V – houver tratado ou promessa de reciprocidade.

Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htmm

[6] Constituição Federal. Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I – processar e julgar, originariamente: i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias;   

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

[7] Código de Processo Penal. Art. 790 – O interessado na execução de sentença penal estrangeira, para a reparação do dano, restituição e outros efeitos civis, poderá requerer ao Supremo Tribunal Federal a sua homologação, observando-se o que a respeito prescreve o Código de Processo Civil.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htmm

[8] MAZZUOLI, Valério. Direito Internacional público: parte geral, p. 112-113.

[9] Supremo Tribunal Federal. Informativo n° 722. Brasília/DF, 30 de setembro a 4 de outubro de 2013. Habeas Corpus n° 119056 QO/DF. Rel. Min Cármen Lúcia, julgado em 03/10/2013.

[10] Carta Rogatória n° 15.889, Rel. Min. Humberto Martins – STJ.

[11] Tratado da Amizade, decreto 5767. Disponível em/: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/decreto/D5767.htm

[12] Tratado Brasil e Itália, decreto n° 863/1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0863.htm

[13] Mazzuoli, Valerio. Via Twitter, Link: https://twitter.com/ValerioMazzuoli/status/1483962538945662977

[14] [14] ARTIGO 6 – 1. Quando a pessoa reclamada, no momento do recebimento do pedido, for nacional do Estado requerido, este não será obrigado a entregá-la. Neste caso, não sendo concedida a extradição, a Parte requerida, a pedido da Parte requerente, submeterá o caso às suas autoridades competentes para eventual instauração de procedimento penal. Para tal finalidade, a Parte requerente deverá fornecer os elementos úteis. A Parte requerida comunicará sem demora o andamento dado à causa e, posteriormente, a decisão final.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0863.htm

[15] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.2° Turma, Habeas corpus n° 171.118 – SP, Rel. Min. Gilmar Mendes. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/315084/stf-tranca-acao-por-lavagem-de-dinheiro-de-paciente-ja-julgado-na-suica-por-mesmos-fatos

[16] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. Editora Juspovm, Ano 2016. Pag. 109

[17] https://www.migalhas.com.br/quentes/315506/justica-da-italia-mantem-prisao-perpetua-de-cesare-battisti